sexta-feira, 7 de setembro de 2007

A BASE QUE ESTÁ FALTANDO PARA A CRIAÇÃO DOS FILHOS

Então, o que mudou?
Se fosse possível resumir o problema em uma única palavra, a resposta seria esta : contexto.
Não importa o quanto somos bem intencionados, qualificados ou compreensivos : a criação dos filhos não é algo que podemos tentar com qualquer tipo de criança. O contexto é um fator importante para que o plano funcione. Uma criança precisa ser receptiva para que os pais consigam criá-la, confortá-la, guiá-la e direcioná-la. As crianças não nos autorizam automaticamente a criá-las só porque somos adultos, ou porque as amamos, nem mesmo porque achamos que sabemos o que é melhor para elas ou porque temos as melhores intenções. Pais adotivos lidam muitas vezes com essa situação, assim como as pessoas que tomam conta de crianças que não são suas, como no caso de pais adotivos, babás, funcionários de creches e professores. Mesmo quando se trata de seu próprio filho, a autoridade natural dos pais pode se perder se o contexto se mostrar inadequado.
Se a habilidade em criar os filhos ou mesmo amar a criança já não é mais suficiente, o que está faltando então? Existe um tipo especial de relacionamento sem o qual os pais não conseguem ter uma base sólida para criar os filhos. Os desenvolvimentistas-psicólogos e outros cientistas que estudam o desenvolvimento humano – o chamam de relacionamento de vínculo . Para que uma criança se mostre disposta a ser educada por um adulto, é preciso que ela tenha um vínculo com ele, queira manter contato e se tornar próxima a ele. No começo da vida, esse sentimento de vínculo é muito mais físico – a criança literalmente se agarra aos pais e precisa de que eles a segurem. Se tudo acontece conforme o esperado, o vínculo se desenvolverá em proximidade emocional e , finalmente, em intimidade psicológica. As crianças que não têm esse tipo de conexão com aqueles que são responsáveis por elas são muito difíceis de criar, e em muitos casos, até de ensinar. Somente um relacionamento de vínculo pode fornecer um contexto para a criação dos filhos.
O segredo para se criar os filhos não está tanto no que o pai ou a mãe fazem, mas em quem eles são para a criança. Quando uma criança busca contato ou proximidade conosco, nos vemos na posição de sustentar, confortar, guiar, servir de modelo, educar e instruir. Quando uma criança tem um vínculo forte conosco, somos seu porto seguro do qual ela se lança para desbravar o mundo, seu esconderijo se ela decidir recuar, sua fonte de inspiração. Nem todas as técnicas de criação dos filhos no mundo podem recompensar a falta de um relacionamento de vínculo. Todo o amor do mundo não pode ser transmitido sem o “cordão umbilical psicológico” criado pelo vínculo com a criança.
O relacionamento de vínculo entre a criança e os pais precisa durar pelo menos enquanto ela tem de ser criada. Isso é que está se tornando cada vez mais difícil no mundo de hoje. Os pais não mudaram – eles não são menos competentes, nem menos dedicados. A natureza fundamental das crianças também não mudou – elas não se tornaram menos dependentes, nem mais teimosas. O que mudou foi a cultura em que criamos nossos filhos. O vínculo entre crianças e pais já não tem recebido o apoio necessário da cultura e da sociedade. Mesmo relacionamentos entre pais e filhos que em princípio se mostram fortes e cheios de cuidados podem ser abalados quando nossas crianças ingressam em um mundo que não estima nem encoraja essa ligação. Cada vez mais, as crianças estão criando relacionamentos de vínculos com outras pessoas, que acabam por competir com seus pais. Como resultado, está cada vez mais difícil estabelecer um contexto para a criação dos filhos. A criação que damos aos filhos não está funcionando por falta de amor ou de técnicas para levá-la em frente, mas por causa da erosão desse contexto.

Extraído do livro – “Pais ocupados, filhos distantes – investindo no relacionamento”
Gordon Neufeld e Gabor Maté

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